terça-feira, 31 de julho de 2012

Gás natural: regulação em prol da competitividade



Os efeitos da qualidade da regulação - ou da falta dela - podem ser bastante prejudiciais aos consumidores de mercados que dela necessitam para funcionar de forma eficiente, como a distribuição de gás natural canalizado. Por ser uma atividade em que o Estado concede exclusividade na prestação do serviço, os consumidores não podem escolher seu fornecedor. Por isso, sem uma regulação adequada, como se verifica em boa parte do Brasil, os resultados são custos excessivos suportados por usuários já penalizados por uma conjuntura econômica adversa.

Em todas as atividades econômicas é natural que o empreendedor tente estabelecer o maior preço possível, que lhe assegurará um ganho máximo sujeito às restrições que lhe são impostas por sua estrutura de custos e pela concorrência. Mas, no caso de um monopólio, esse preço não necessariamente maximiza o bem estar de todos os agentes do mercado. Essa é uma simplificação da lógica econômica por trás do frequente pleito por regulação e fiscalização adequada desse segmento.


A ausência dessas práticas pode resultar em investimentos e custos ineficientes e preços abusivos. No caso dos usuários industriais, implica redução da competitividade regional e da capacidade de investimentos produtivos. Mas em muitos Estados brasileiros, infelizmente, a prática corrobora a teoria: como vários reguladores ou secretarias responsáveis aplicam regras ultrapassadas na determinação das margens de distribuição de gás natural (os preços que elas podem cobrar de seus consumidores), asseguradas pelos contratos de concessão das distribuidoras, o que se observa são margens muito elevadas, com taxas de crescimento significativamente superiores à inflação. As metodologias adotadas não geram incentivos eficazes aos necessários ganhos de produtividade, à modicidade tarifária e à gestão eficiente de custos. Em alguns casos, essas regras fazem com que somente as margens de distribuição sejam mais caras no Brasil do que o próprio preço da molécula do gás comercializado nos EUA.

Análise recente feita pela Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) nos dez estados com maior consumo de gás natural do país mostra que o Estado do Ceará apresentou, em abril passado, a maior margem de distribuição, de US$ 3,40 por milhão de British Thermal Unit (BTU) para o segmento industrial com um consumo médio de 100.000 m3 por dia. Esse valor foi 51% maior que a média praticada nos dez Estados maiores consumidores do energético no Brasil (exceto Amazonas), de US$ 2,25.

Embora o Ceará tenha vantagens em relação a alguns Estados no aspecto regulatório - dispõe de uma agência reguladora que realiza audiências públicas para definir os reajustes da margem de distribuição, por exemplo -, oferece à sua distribuidora condições que qualquer empreendedor gostaria de ter: rentabilidade elevada, risco baixíssimo e pouca ou nenhuma competição - todo o capital investido na concessão recebe uma remuneração anual de 20%, sobre os custos operacionais projetados incide remuneração de mesma monta e a margem é definida com base em 80% do volume de vendas projetado, o que aumenta ainda mais o custo para os consumidores e diminui o risco da distribuidora.

A situação é tão ou até mais problemática em outros três Estados cujas margens estão entre as maiores: Pernambuco, Rio Grande do Sul e Paraná oferecem às suas distribuidoras condições idênticas, com o agravante de que não há qualquer transparência no processo de definição das margens e tarifas. É claro que as especificidades técnicas, geográficas e de mercado de cada concessão interferem na definição dos custos e plano de investimentos, mas não se pode negligenciar o papel da regulação nesse processo.

Os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro têm um modelo mais maduro de regulação, com metodologia distinta dos demais. Suas distribuidoras não têm remuneração fixa, ela é definida a cada cinco anos a partir de método amplamente utilizado por outros reguladores no mundo - o que faz com que ela seja inferior a 12% ao ano. Além disso, a margem é definida sobre 100% do volume de vendas e as revisões tarifárias são submetidas à audiência pública, o que é salutar.

Mesmo assim, é importante ressaltar que boas regras apenas se traduzem em modicidade se aplicadas adequadamente. Apesar do arcabouço regulatório mais maduro, o Rio de Janeiro, por exemplo, apresentou em abril margem 32% maior que a média dos dez maiores estados consumidores, enquanto em São Paulo existe grande debate sobre o método de cálculo da Base de Remuneração Regulatória, que estaria onerando indevidamente a margem de distribuição.

Movimentos para aperfeiçoar a regulação - a exemplo do que se tem observado em Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Espírito Santo - tendem a reduzir custos para os usuários do serviço de distribuição e podem, consequentemente, proporcionar maiores investimentos regionais. Estes, por sua vez, trarão resultados econômicos bastante positivos para os Estados. Trata-se, portanto, de uma política regional que pode trazer vantagem competitiva às indústrias locais. Em um contexto econômico como o atual, em que grandes incertezas e desequilíbrios econômicos e financeiros colocam em risco a capacidade de crescimento dos países (basta ver a significativa redução das expectativas do mercado para o crescimento do PIB brasileiro em 2012), e o próprio governo federal demonstra preocupação com a capacidade de investimento da indústria, ganhos localizados como esse podem fazer a diferença para quem compete em um ambiente tão adverso.

por Camila Schoti



*Camila Schoti é mestre em economia pela Universidade de Brasília e assessora econômica e regulatória da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (ABRACE).

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