terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Gás de xisto – Energia suja


No início dos anos 2000, os americanos pagavam caro pelo gás que utilizavam para gerar eletricidade, aquecer suas casas e cozinhar seu jantar. Com os preços nas alturas, diversas empresas investiram na exploração de fontes não convencionais do recurso. Começava então o início do que pode vir a ser uma revolução na matriz energética não só dos EUA como de vários países, entre eles o Brasil, e diminuir sua dependência do petróleo importado do Oriente Médio e de outras regiões conturbadas do mundo. E a principal destas fontes é o chamado gás de folhelho, popularmente conhecido como gás de xisto {shalegas). Com depósitos potenciais de trilhões de metros cúbicos espalhados em bacias sedimentares ao redor do planeta, esse gás passou milhões de anos preso em camadas de rocha entre centenas e milhares de metros de profundidade. Apenas recentemente métodos que já eram usados na indústria petrolífera tradicional foram combinados com inovações para extraí-lo de forma comercialmente viável. A reboque disso, no entanto, crescem os temores de riscos ambientais ainda pouco conhecidos do modo como ele é explorado, assim como a preocupação de que, abundante, acessível e barato, acabe por desestimular os investimentos em fontes de energia limpas, como a eólica e a solar.
— Muito mais barato do que o petróleo, o gás de xisto pode trazer uma mudança profunda na matriz energética dos EUA e do mundo — destaca o consultor e ambientalista Fabio Feldmann. — As quantidades de reservas potenciais são gigantescas, assim como as preocupações ambientais. Se de fato superarmos os obstáculos da exploração, o cenário do mercado mundial de energia vai ser alterado radicalmente. Os EUA, por exemplo, podem ser autossuficientes em cinco anos, o que é quase amanhã. E se eles viabilizarem isso, o país ficará praticamente independente do Oriente Médio, o que também pode ter grandes consequências geopolíticas.
Alexandre Szklo, professor de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ, explica, por sua vez, que o boom na extração de gás de xisto nos EUA se deve a características próprias da indústria petrolífera do país combinadas com os atrativos econômicos da valorização desse combustível. Tais fatores levaram a produção americana a crescer de 11 bilhões de metros cúbicos em 2000 para quase 140 bilhões de metros cúbicos em 2010, um aumento de mais de dez vezes em uma década. Isso faz com que as fontes não convencionais já respondam por 23% de todo gás natural extraído nos EUA, com a perspectiva de dobrar essa proporção até 2035. E a expectativa é que já em 2014 as importações de petróleo do país atinjam o menor nível em 25 anos.
— Havia um acúmulo de conhecimento das técnicas usadas na exploração, que também estava pulverizado entre várias empresas de pequeno e médio porte que prestam serviços para a indústria — aponta Szklo. — Além disso, o perfil de produção do gás de xisto é diferente dos poços tradicionais, com 50% do volume disponível podendo ser extraído logo nos primeiros dois anos de operação, o que dá um retorno financeiro muito rápido ao investimento, principalmente diante dos altos preços do início dos anos 2000. Por fim, as bacias produtoras estão localizadas em terra, com fácil acesso à malha de transporte, como gasodutos, que já está amortizada.
Szklo salienta ainda que as leis americanas para aproveitamento das riquezas no subsolo ajudaram neste processo. Diferentemente do Brasil, onde estes recursos são propriedade da União, independentemente de quem sejam os donos da terra, nos EUA os proprietários de terrenos também são donos do que está abaixo deles. Já as regras para exploração são ditadas principalmente pelos estados, com as empresas encontrando condições favoráveis para o trabalho em locais como o Texas e a Pensilvânia, onde estão duas das maiores bacias produtoras do país, Barnett e Marcellus Shale. Esta última, inclusive, acabou de ser liberada para exploração pelo estado de Nova York, que vê nela a alternativa para atender à crescente demanda por energia para iluminar “a cidade que nunca dorme”
— Todas essas condições fizeram com que o setor crescesse rapidamente nos EUA e houvesse um processo de consolidação, com as grandes empresas de petróleo comprando as pequenas e médias pioneiras, dando ainda mais força para este crescimento — avalia o professor da Coppe.
Szklo ressalta, no entanto, que o cenário de exploração rápida e barata do gás de xisto não deverá se repetir em outras partes do mundo, pois elas não têm as características que impulsionaram a indústria nos EUA.
De acordo com ele, isso pode adiar a esperada guinada na matriz energética mundial, mas o professor da Coppe acredita que eventualmente estes vastos depósitos acabarão explorados como parte de um esforço de muitos países para garantir sua independência energética.
Mesmo sem as características que impulsionaram a extração de gás de xisto nos EUA, vários países do mundo também esperam ver no recurso a saída para seus problemas energéticos. A Alemanha, por exemplo, pretende usar o gás vindo da vizinha Polônia (que deverá ser o primeiro pais europeu a regulamentar a sua exploração ainda este ano) para alimentar novas usinas geradoras de eletricidade que substituiriam as suas atuais plantas nucleares, em processo de desativarão após o desastre de Fukushima, no Japão
Estudo da Administração para Informação sobre Energia americana (EIA) indica que os depósitos de gás de xisto em 32 nações pode passar de 163 trilhões de metros  cúbicos (Tm3) . Sornada às reservas provadas mundiais de gás convencional, de 180 Tm3, a quantidade seria suficiente para suprir as necessidades globais por ate 200 anos. Mas tudo isso não passa de extrapolação das características encontradas nas bacias sedimentares americanas. No Brasil, a EIA estima que só na Bacia do Paraná estejam guardados  cerca de 6,4 Tm3, ou mais de 12 vezes as atuais reservas provadas de gás natural, de 450 bilhões de metros cúbicos. Szklo, porem, alerta que ainda e muito cedo para se pensar em números deste tipo. Segundo ele, com 7,5 milhões de quilômetros quadrados de bacias sedimentares em terra e mar, o potencial brasileiro é realmente grande, mas apenas 6% desta área tem sua geologia bem conhecida, com 16% de forma intermediaria e 78% desconhecidas.
- Estamos ainda em um processo muito inicial da fase de prospecção entao e muito difícil fazer uma estimativa do volume destes recursos no país – diz
Não consultada no levantamento da EIA, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) também e cautelosa quanto as estimativas. Segundo o órgão, estudo preliminar das bacias de Parecis, Parnaíba e do Recôncavo indica potencial de 5,6 Tmde gás de xisto nas três. “0 Brasil tem chances de se tornar um produtor importante de gás não convencional, mas ainda estamos Ionge de poder afirmar que teremos reservas deste ou daquele tamanho. 0 que temos no momento são apenas possibilidades que ainda devem ser confirmadas’; informou a ANP.
E esta confirmação pode vir em breve. No pré-edital de sua 11ª rodada de licitações, prevista para maio, a ANP incluiu entre os blocos ofertados áreas consideradas novas fronteiras para produção não convencional de gás. Além disso, as empresas brasileiras do setor começam a se mexer. Em evento no Rio no fim de janeiro, Winston Fritsch, presidente da Petra Energia, afirmou que, em abril, a empresa começa os primeiros testes para exploração de gás de xisto em blocos adquiridos em leilões anteriores na Bacia do São Francisco. Caso tenha sucesso, a ideia é iniciar a produção comercial em 2015.
- Precisamos nos apoderar do subsolo do nosso país. Sabemos que (o gás de xisto) e uma coisa que não podemos deixar para trás – reforçou Magda Chambriard, diretora geral da ANP, também em evento em janeiro, reconhecendo, porem, que o país ainda trabalha “com menos informações do que gostaríamos” sobre a exploração desse gás em terra.
Mas se, do ponto de vista da independência energética, o gás de xisto é visto como a salvação; do !ado ambiental, ele pode rapidamente virar vilão. Vazamentos de metano, contaminação de mananciais de agua e até terremotos já foram associados aos métodos usados na extração. Essas técnicas consistem na injeção de grandes quantidades de agua, areia e aditivos químicos em alta pressão no solo por meio da perfuração horizontal. Isto provoca rachaduras nas camadas subterrâneas de xisto argiloso, permitindo que o gás que estava preso possa escapar.
- Dependendo do poço são necessários de 8 a 20 milhões de litros de água para fazer o fraturamento, e 0,5% disso é de aditivos – conta Szklo. – Então, temos até 100 mililitros  de produtos químicos sendo injetados na terra em cada poço que podem percolar (infiltrar) e contraminar reservatórios de água, com efeitos que ainda precisam ser estudados.
Nos EUA, denúncias de contaminação da água aumentam a pressão por maior regulamentação federal  da atividade  e pesquisa apontou que 66% da população já defendem regras mais estritas. Em resposta, o governo Barack Obama está revisando as regulações e, enquanto a indústria reage: em reunião depois da reeleição do presidente, representantes do setor se disseram preocupados com incertezas no marco regulatório.
Outra apreensão em torno da guinada da matriz energética mundial rumo ao gás de xisto é que ele não deixa de ser um combustível fóssil emissor de gases-estufa, lembra o consultor e ambientalista Fabio Feldmann:
- A Alemanha, por exemplo, estudava grandes investimentos em fontes renováveis para substituir suas usinas nucleares, mas com gás disponível e barato elas se tornarão uma opção menos competitiva e atraente neste momento de transição da matriz energética. Teremos então um cenário de menor investimento em tecnologias alternativas que poderiam levar ao seu barateamento e aumentar sua competitividade com relação aos combustíveis fósseis, em um ciclo que manterá o mundo focado em fontes sujas.


Fonte: O Globo

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