segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Uma nova chance para o gás natural?

Todas as grandes companhias de energia enxergam o gás natural como um combustível e/ou matéria-prima essencial para o desenvolvimento econômico, além de uma ponte para a transição para uma matriz energética menos poluente. Embora tenhamos acordado para a necessidade de aumentar o uso de gás natural na geração de eletricidade, no Brasil esse setor se desenvolveu timidamente quando se olha para o resto do mundo. A nossa indústria do gás carece de dinamismo.
O investimento privado nessa área, não considerando a Petrobras, é muito pequeno para um país como o Brasil. Existe um consenso sobre a existência de um problema, mas não sobre as suas causas e, muito menos, sobre o tratamento a ser aplicado para reverter esse quadro.
Nossa legislação supõe existirem milhares de empreendedores implorando para serem autorizados a investir
Durante muito tempo, havia quem enxergasse a Petrobras como uma causa de todos os males. Dizia-se que ela bloqueava a entrada de novos agentes nesse setor, etc. Por outro lado, também havia quem enxergasse que sem a Petrobras o mercado de gás natural no Brasil simplesmente não existiria. A Lei do Gás, promulgada em 2009, comprou o primeiro entendimento. Para tentar resolver esse “problema”, acabou introduzindo uma miríade de novas regras e conceitos para o transporte e comercialização de gás natural. Não faltou quem visse na Lei do Gás uma nova e promissora era, com investimentos privados vindos em profusão. Doce ilusão: desde que promulgada, praticamente nenhum novo investimento relevante aconteceu.

Mas, afinal, o que está errado? Para reflexão do leitor, podemos citar alguns episódios recentes de dificuldades enfrentadas por quem resolveu investir nesse setor.
Um grande empresário resolveu comercializar gás em um estado do sul do Brasil por meio da importação de “gás natural liquefeito” (GNL), usando um porto da região. Depois de muito analisar a viabilidade da construção de gasoduto ligando o terminal marítimo de recebimento de GNL a centros consumidores, chegou à conclusão de que seria praticamente impossível diante das inúmeras complexidades regulatórias criadas pela Lei do Gás. Resolveu, então, no lugar de construir o gasoduto, construir barcaças para transportar o gás até os centros consumidores usando uma rota fluvial que, por sorte, existia nesse caso. Quem perdeu? A infraestrutura do Brasil, que estaria muito melhor servida se o gasoduto fosse construído.
Outro grande empresário descobriu reservas de gás natural no Nordeste. Depois de também concluir pela inviabilidade de construir um gasoduto para comercializar o gás natural junto a complexos industriais relativamente próximos, decide construir uma termelétrica a gás literalmente em cima das reservas. Para a sua surpresa, a emissão da licença ambiental vem com a exigência de que seja contratada a distribuidora de gás canalizado da região. Diante da impossibilidade de contornar essa exigência, constrói um gasoduto de poucos metros, dentro do seu próprio terreno, ligando a instalação de processamento do gás até à usina termelétrica. O gasoduto é doado para a distribuidora que é contratada para fazer a sua operação e manutenção por uma remuneração de muitos milhões de reais por ano, penalizando o retorno do investimento feito pelo empresário. Um dos melhores exemplos de custo Brasil que se pode imaginar.
Poderíamos dissertar longamente sobre outros casos e também outros fatores (inclusive tributários) que contribuem para o Brasil ter uma indústria do gás tão pouco dinâmica. Evidentemente, esse espaço não é adequado para isso, mas é uma oportunidade para chamarmos atenção para o fato de estamos diante de um momento sem precedentes para tentar reverter esse cenário. Começa a se abrir uma janela de oportunidade para a indústria do gás no Brasil.
Destacamos quatro fenômenos que convergem para criar essa situação. O primeiro é a revolução da indústria do gás não convencional nos Estados Unidos, que aumentou a oferta de gás natural de forma inimaginável até pouco tempo atrás. O segundo foi a evolução tecnológica da produção e transporte de GNL, que cada vez aproxima o gás natural das características de uma commodity tipo o petróleo. O terceiro é o desejo da Petrobras de reduzir ao máximo a sua presença na comercialização e transporte de gás natural, por meio da venda de infraestrutura estratégica, para se concentrar no desenvolvimento de campos de petróleo do pré-sal. E o quarto é o fato de que teremos o gasoduto Bolívia Brasil já praticamente todo amortizado e talvez com capacidade disponível para outros carregadores diante da possível diminuição da oferta do gás boliviano para o Brasil e da implementação do swap.
Para que não percamos mais essa janela de oportunidade, algumas reformas legais são urgentes. O governo e os agentes do setor estão se alinhando para encontrar um modelo que seja mais transparente, eficiente e receptivo a novos players.
Contudo, mais importante do que a forma pela qual essa mudança será implementada, é a necessidade de coordenação entre os atuais players do mercado de produção/importação/transporte com a esfera estadual na qual se inserem as distribuidoras de gás e os grandes consumidores. Além de reduzir ineficiências do sistema, nessa nova realidade será preciso encontrar formas de manter a garantia de suprimento (ou security of supply) em nível compatível com aquela hoje oferecida pela Petrobras em seu modelo verticalizado.
Sem pretender discutir agora todas as mudanças legais que julgamos necessárias, gostaríamos apenas de pedir aos nossos governantes que coloquem uma questão na perspectiva correta: quem está fazendo um favor a quem? Não é o país que presta um favor quando autoriza um empreendedor a construir infraestrutura na área de gás. Mas, sim, o empreendedor que constrói essa infraestrutura que presta um favor ao país. Infelizmente, a nossa legislação supõe existirem milhares de empreendedores implorando para serem autorizados pelo poder público a investir nesse setor. A realidade é bem diferente como o tempo acabou mostrando.

Fonte: Valor Econômico / José Roberto Faveret e Ivan Londres

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