sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Energia limpa, barata e… inútil?

Energia é um bem precioso demais para ser desperdiçado” a frase, do americano Daniel Yergin, um dos maiores especialistas do setor de óleo e gás, foi seguida à risca nos Estados Unidos. Depois de exaurido o petróleo que brotava fácil das terras texanas, os americanos perseguiram meios de tornar mais valiosas as fontes de segunda linha, como o gás natural. E conseguiram. A empreitada culminou na revolução energética que levou os Estados Unidos a espantar o mundo com o anúncio de que estão a 20 anos da autossuficiência em energia. E uma revolução baseada no empreendedorismo e na tecnologia. Foram empresas de médio porte — as grandes estavam ocupadas em produzir petróleo, o filé-mignon do setor — que buscaram as técnicas para extrair gás de rochas mais profundas, como as de xisto, abrindo caminho para jazidas gigantes, antes inacessíveis. O gás de xisto quadruplicou as reservas mundiais do combustível para o equivalente a 200 anos de consumo e baixou o preço nos Estados Unidos a menos da metade da média mundial e a um quarto do preço brasileiro. A indústria americana agradeceu, recuperando competitividade não com mão de obra barata, mas com energia barata. Em cinco anos, o setor de gás criou 1,7 milhão de empregos no país, número que deve chegai- a 4 milhões em 2020, de acordo com a estimativa de Yergin.
Enquanto isso, no Brasil, quem encontra gás fica com um mico nas mãos. Aqui, é difícil fazer dinheiro com sua produção (pelas razões que veremos adiante), apesar de a demanda só aumentar. Resultado: a oferta é baixa e o preço é alto, corroendo a competitividade das empresas usuárias. A Eliane, fabricante catarinense de cerâmica, é um exemplo. Em 2001, a empresa fez uma reforma na fábrica principal para trabalhar com gás natural em vez de carvão e gás liquefeito de petróleo (que custava 50% mais do que o natural). A mudança permitiu um aumento de competitividade, principalmente dos produtos mais sofisticados.

O gás facilita a regulagem da temperatura, sem as oscilações de outras fontes de energia, e sua queima não libera a fuligem produzida pelo carvão e pelo óleo combustível, o que aumenta a resistência sem alterar a cor da cerâmica. Passados 12 anos, a empresa acaba de reconverter parte da fábrica para o uso do carvão. O gás ficou caro demais. Agora, 40% da energia consumida vem do carvão, que hoje sai a um terço do preço do gás natural. “E uma marcha a ré para uma energia menos eficiente e mais suja”, diz Otmar Müller, diretor industrial da Eliane. “Sem perspectiva de o preço cair, decidimos sair do gás nas áreas em que podemos substituí-lo.”
A atrofia da indústria de gás no Brasil tem outros efeitos negativos. A Braskem, maior petroquímica do país, adiou a decisão de investir no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) por não chegar a um acordo com a Petrobras sobre o preço que a estatal cobraria pelo gás, uma das principais matérias-primas da petroquímica. Enquanto isso, a Braskem avança com investimentos nos Estados Unidos e no México — país beneficiado com a queda do preço do gás americano graças à integração com o vizinho. “O mundo está vivendo a festa do gás, e parece que o Brasil decidiu ficar de fora”, afirma o consultor Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura e Energia. “O pior é que a conta da festa será paga por quem não participa dela, com a perda de investimentos, que vão para lugares em que a energia custa menos.”
Quem não participar da revolução do gás pagará a conta com a perda de investimentos — o que já ocorre aqui
Em novembro, pela primeira vez na história, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) fará uma rodada de leilões em áreas com alta probabilidade de haver gás. Isso é bom, mas não é suficiente. As empresas que se aventuraram a explorar óleo e gás em terra após a quebra do monopólio da Petrobras, em 1997, já fizeram descobertas, mas esbarraram nas dificuldades de um mercado com regras ruins — ou até sem regras. Já a Petrobras, que domina o setor, não tem condições de fazer os investimentos necessários, pois tem de focar no pré-sal. EXAME falou com especialistas, executivos e empresários do setor e identificou as principais providências que levariam a indústria de gás a deslanchar no Brasil. Leia nas páginas a seguir.
O PRIMO POBRE FICOU RICO
Considerado combustível de segunda linha até pouco tempo atrás, o gás natural tornou-se a grande aposta mundial do setor de energia graças a novas técnicas de extração e de transporte. Veja as razões
A TECNOLOGIA DE EXTRAÇÃO AVANÇOU
Hoje é possível tirar gás de rochas mais profundas, entre elas a de xisto
A técnica barateou o combustível e elevou as reservas mundiais para 200 anos de consumo
FICOU MAIS FÁCIL TRANSPORTAR
É possível liquefazer e transportar gás em grandes quantidades e longas distâncias de navio e trem – em estado líquido, a molécula fica 600 vezes menor do que a de gás comprimido
FICOU MAIS BARATO
O preço não segue mais o do petróleo
AUMENTARAM OS USOS
Nos Estados unidos, 25% dos caminhões rodam com gás liquefeito. GE e Caterpillar testam o combustível em locomotivas. A Shell desenvolve tecnologia para a transformação do gás em diesel, gasolina e querosene de aviação
É PRECISO POLUIR MENOS
A queima de gás natural emite 23% menos do que o óleo diesel e  50% menos do que o carvão
No Brasil, o combustível continua sendo subaproveitado, apesar da necessidade e das oportunidades existentes
A demanda é crescente e a produção não acompanha
Há uma forte demanda reprimida, principalmente no setor industrial
(em milhões de metros cúbicos ao dia)
45 Potencial de consumo” caso houvesse oferta de gás
22  Quanto a indústria consumiu em 2012
O aumento da oferta — e a queda de preço — geraria benefícios expressivos
Se o preço do gás caísse pela metade no Brasil, para 7 dólares, os efeitos econômicos estimados seriam
7,8% de aumento anual do investimento na economia até 2025
0,5 ponto percentual de aumento do PIB ao ano
- 0,44 ponto percentual de queda na taxa de inflação anual
(1) Ambos convertidos para milhão de BTUs, nos Estados Unidos (2) Média diária do primeiro semestre (3) Nas atuais condições de mercado (4) Calculado pela CBE, com a substituição de fontes energéticas menos eficientes por gás natural Fontes: ANP. CBIE. Fundação Instituto de Pesquisas Económicas (Fipe) e Gas Energy
1 – SÓ A COMPETIÇÃO SALVA
Apesar de o monopólio da Petrobras ter sido quebrado em 1997, a estatal ainda controla a cadeia de gás de ponta a ponta. Além de maior produtora, é dona dos gasodutos que abastecem as 27 distribuidoras do país — e é sócia de 21 delas. Para travai- de vez o mercado, a estatal fecha a porta à concorrência ao controlai- setores que estão entre os maiores consumidores de gás: tem 16 usinas térmicas a gás, que representam 80% desse tipo de geração no pais. “Ninguém é louco de investir nesse mercado”, afirma o presidente de uma petroleira, sob a condição de não ser identificado. “A Petrobras não precisa nem fazer força para manter o monopólio do gás, pois as empresas que poderiam brigar com ela não brigam, porque são ou serão suas sócias na produção de petróleo.”
É verdade que a Petrobras foi empurrada a isso pelo governo. Como o gás sempre foi considerado no Brasil apenas um subproduto do petróleo, a estatal só produzia o combustível quando ele brotava com o óleo. Nos anos 90, quando cresceu a demanda das indústrias consumidoras, o governo mandou a Petrobras construir o gasoduto Bolívia-Brasil. Ela também teve de investir nas distribuidoras estaduais, que não tinham dinheiro para fazer redes de gás encanado. Hoje, o modelo emperra o setor. “O potencial de gás no Brasil é enorme e não cabe a uma só empresa”, diz Enrique Sira, diretor da IHS, uma consultoria do setor. Os países que desenvolveram indústrias de gás competitivas definiram que quem produz não pode ser dono de gasoduto nem de distribuidora. Os Estados Unidos separaram os negócios em 1978. Na Inglaterra, a British Gas foi dividida em duas em 1997. A BG ficou com a exploração e a produção de gás, enquanto a Centrica faz a distribuição. Na Espanha, uma produtora não pode ter participação de mais de 5% em transportadoras e distribuidoras. A própria Petrobras ganharia com a separação. A consultoria Gas Energy estima que a estatal poderia levantar 20 bilhões de dólares com a venda de participações em distribuidoras, gasodutos, termelétricas e fábricas de fertilizante. “Não faz sentido a Petrobras manter negócios menos rentáveis tendo o pré-sal pela frente”, diz Marco Tavares, diretor da Gas Energy.
TA TUDO DOMINADO
A Petrobras controla todos os elos da cadeia de gás no Brasil, o que inibe a entrada de competidores no setor. A estatal é dona ou sócia de
95%  da produção de gás no país
21 das 27 distribuidoras estaduais (1)
100% dos gasodutos
das unidades que processam gas
das unidades que regaseificam o gas liquido importado
(1) Por meio de participação acionária (2) Excluindo os gasodutos de distribuição Fonte: Gas Energy
2 – PLANEJAR É METADE DO CAMINHO
UM DILEMA EMPERRA AO MESMO TEMPO a produção e o transporte de gás no Brasil: ninguém quer produzir porque não existe duto para transportar, e ninguém constrói duto porque ainda não existe gás. Com isso, a malha de gasodutos soma perto de 9 500 quilômetros. Nos Estados Unidos, são 490 000. Ninguém espera que o Brasil construa tanto gasoduto assim. A falta de dinheiro e as restrições ambientais não permitiriam. Mas é preciso ampliar a rede, e a solução depende de disposição e eficiência do governo. Ele teria de elaborar um mapa com rotas de transporte de gás com base na oferta e na demanda, incluindo projetos sugeridos por possíveis investidores. O segundo passo seria fazer concessões para á construção dos gasodutos. Depois que o governo brasileiro assinou contrato com o boliviano, em 1993, comprometendo-se a fazer o gasoduto Bolívia–Brasil caso as reservas do país vizinho justificassem a obra, as descobertas deslancharam. “As empresas investiram em exploração porque sabiam que, se encontrassem gás, conseguiriam escoá-lo”, diz Edmar Almeida, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Hoje, as reservas da Bolívia na região são o quíntuplo das de 1993. No Brasil, há três anos, a Lei do Gás previu a elaboração de um plano de expansão da malha de transporte, que seria seguido de leilões de concessão. Até agora o plano não foi concluído.
A reforma do transporte de gás poderia avançar mais depressa com a criação de um gestor independente, a exemplo do Operador Nacional do Sistema Elétrico. Ele gerenciada a malha de gasodutos, independentemente de quem fossem seus donos, que seriam remunerados pelo uso da infraestrutura. Todos os produtores teriam acesso à malha, pagando tarifas fixadas de maneira transparente. Enquanto nada acontece, empresas que saíram a explorar e encontraram gás sofrem. À beira da falência, a HRT já fez descobertas que somam o dobro das da Petrobras no Amazonas, mas não consegue escoar a produção. A construção de um gasoduto só se justificaria se as reservas aumentassem. Mas isso depende de dinheiro. A HRT não falou com EXAME, mas sabe-se que ela tenta um acordo com a estatal. No Sul, as distribuidoras não conseguem crescer porque o gasoduto Bolívia-Brasil está no limite. “Não tenho como atender mais nenhuma cliente grande”, afirma Cósme Polêse, diretor da SCGas, distribuidora de Santa Catarina. A montadora BMW, que está abrindo uma fábrica no estado, só será abastecida porque a Eliane Cerâmicas devolveu parte do gás contratado depois de voltar a usar carvão.
3 – REGULAR O QUE PRECISA SER REGULADO
O pior dos mundos para um consumidor é ter de comprar um produto vendido por uma única empresa. Há, entretanto, os chamados monopólios naturais — que existem porque não faz sentido sobrepor, por exemplo, várias redes de distribuição de água. A solução para esses casos, em muitos países, foi a criação de agências reguladoras. Elas cuidam para que o monopolista não exagere nos preços, mas seja remunerado devidamente pelo serviço. A Constituição de 1988 definiu que as distribuidoras de gás devem operar por estado e ser reguladas por agências estaduais.
Mas um estudo realizado pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) mostrou que a regulação no setor não vai nada bem. O objetivo era apurar quanto as distribuidoras cobram pelo serviço. Das 15 agências reguladoras estaduais, apenas seis souberam informar o custo da distribuição. Em estados como Bahia, Minas Gerais e Sergipe, elas se recusaram a informai- o ganho das concessionárias, alegando confidencialidade — um disparate, já que agências existem para dai- transparência num setor sem competidores. No Mato Grosso do Sul, no Paraná e no Rio Grande do Sul não há agências atuantes. “Nesses casos, não conseguimos entender como o preço é fixado”, diz Cristiano Prado, gerente de competitividade da Firjan. Não é coincidência que a Firjan tenha apontado as agências de São Paulo e do Rio de Janeiro como as melhores em regulação. Em ambos os casos, a agência do governo regula uma empresa privada, não uma empresa do próprio governo, como no resto do país — a paulista Comgás é controlada pelo grupo Cosan; e a fluminense Ceg, pela espanhola Gas Natural. “E claro que é muito mais difícil governo regular governo”, diz o consultor Adriano Pires.
4 – OBEDECER À LÓGICA DO MERCADO
Uma das grandes reclamações da indústria brasileira é a perda de competitividade em razão do preço do gás — em média, ele sai aqui por mais do que o triplo do valor cobrado no mercado americano. Ninguém imagina que vamos chegar ao preço do gás de xisto, que encontrou uma malha de transporte excepcional já construída nos Estados Unidos. Mas há muitas distorções criadas pelas políticas oficiais do gás no Brasil. Enquanto as indústrias no país pagam 17 dólares por unidade de gás, uma das tarifas mais altas do mundo, as usinas termelétricas pagam 5 dólares a unidade, o mesmo preço desembolsado por fábricas nos Estados Unidos. A diferença é resultado de decisões tomadas por vários governos.
No início dos anos 2000, sob risco de apagão, decidiu-se que o gás seria vital para garantir a segurança do sistema elétrico — quando chove pouco e as hidrelétricas geram menos energia, as térmicas, muitas a gás, são acionadas. Num mercado em condições normais, o preço cobrado nas vendas eventuais às térmicas seria mais alto do que o pago por clientes regulares. No Brasil, não. Isso porque o governo definiu também que o preço para as térmicas precisa ser baixo. Com essas amarras, a Petrobras não tem estímulo para ampliai- a oferta de gás. E os investidores privados também não veem razão para entrar na produção, pois seus clientes seriam basicamente as térmicas, que pagam mal, e as distribuidoras, cuja maioria tem a Petrobras como sócia.
A carga tributária é outro peso sobre o preço do gás: no Brasil, é de 28% da tarifa, ante 10% nos Estados Unidos, 6% no México e 5% na China. Aliás, o gás foi a única fonte de combustível que não recebeu desoneração de imposto nos últimos anos, apesar de ser o menos poluente — outra distorção.
Uma forma de destravar o setor seria seguir a lógica de mercado. O preço passaria a ser formado pelos custos de produção e de transporte, e não fixado pelo governo. Preços livres estimulariam a entrada de novos produtores e o aumento da oferta, um passo que costuma levar a queda de preço. Enquanto nada disso é feito, parte dos consumidores, especialmente as empresas, sustenta a situação pagando uma conta mais alta ou. talvez até pior, simplesmente não tendo acesso ao gás.

Fonte: Exame – Especial Energia

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Oportunidades estão sendo perdidas no gás natural

Projeto de lei do deputado Mendes Thame, apresentado no Congresso, propõe aperfeiçoar a Lei do Gás, para estimular o uso do gás natural e fortalecer sua presença na matriz energética do País. O Brasil dispõe de enormes jazidas de gás natural – a presidente da Agência Nacional do Petróleo (ANP),Magda Chambriard, afirma que “o potencial é muito grande”, há gás “em toda parte” –, mas, sem uma política bem estruturada, o País poderá deixar de aproveitar esse potencial. Enquanto no mercado global de gás há aumento da oferta e redução de preço, no Brasil a produção está quase estagnada.
Em 2010, a produção brasileira era da ordem de 77 milhões de m3/dia. Entre 2012 e julho de 2013, foi de 71,1 milhões de m3/dia para 78,5 milhões de m3/dia, segundo a ANP. Com a importação da Bolívia, de 29 milhões dem3/dia, o Brasil poderia consumir até 110 milhões de m3/dia, mas parte do gás é perdida e a Petrobras não assegura a oferta de gás natural para novas usinas térmicas, que precisam contratar o fornecimento por longos períodos. A falta de uma política clara para o gás explica a construção de usinas a carvão e óleo combustível.
A oferta interna de gás crescerá nos próximos anos, com o deslocamento da produção de petróleo (e gás associado) da Bacia de Campos para a Bacia de Santos. Nesta, a relação entre a produção de gás e a de petróleo é quase três vezes maior, disse o diretor da consultoria Gas Energy, Marco Tavares, ao jornal Valor. Até 2020 o Brasil deverá duplicar a produção de gás.

O mercado de gás está quase totalmente nas mãos da Petrobras. Mas, segundo o especialista Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura, “a falta de planejamento e de regulação é total”. Motivos: monopólio virtual da Petrobrás, mercado verticalizado, política de preços diferentes, falta de acesso garantido aos gasodutos e a presença de um único ofertante.
Sem oferta garantida, os consumidores se retraem. Indústrias de vidro e cerâmica já foram atingidas e agora é o setor petroquímico que reclama. O argumento é que o preço do gás é mais baixo no exterior (nos EUA, da ordem de US$ 3,50 a R$ 4,5o milhão de BTU, enquanto no Brasil supera US$12,00 o milhão de BTU). A exploração do gás de xisto americano poderá desequilibrar mais ainda o mercado. Se o Brasil tem enormes jazidas, deve aproveitar a oportunidade comum a política que assegure a oferta a preços competitivos e livre acesso aos dutos.
Fonte: O Estado de S. Paulo

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Energia no Brasil e no mundo

Poucos são os países no mundo autossuficientes na produção de energia. O Japão importa praticamente toda a energia que consome e até os Estados Unidos, com seu enorme território e seus recursos naturais, importam metade do petróleo que consome.
A dependência de importações implica envolvimento ativo em atividades comerciais, diplomáticas e até militares. Isso é verdade para importações de alimentos, mas não há nada mais essencial, nos dias de hoje, do que garantir um suprimento regular de combustíveis e eletricidade, sem os quais uma civilização moderna não sobrevive.
O Brasil tem, por isso, posição privilegiada por ser ao mesmo tempo um grande produtor de alimentos e de quase toda a energia que consome. Mais ainda, quase 50% dessa energia é renovável e praticamente não contribui para a produção de poluentes, seja em nível local ou em âmbito global. Isso se deve em parte ao fato de a eletricidade ser produzida em grande parte em usinas hidrelétricas.
Já países como a China, onde quase toda a eletricidade é produzida a partir do carvão, enfrentam sérios problemas de poluição urbana, uma vez que a queima de carvão é acompanhada de emissões de óxidos de enxofre e outros poluentes que estão tornando intolerável a vida nos grandes centros urbanos. O governo chinês está plenamente consciente da gravidade desses problemas para a saúde e tomou medidas sérias para reduzir o uso de carvão, melhorando a eficiência com que ele é utilizado. Um ganho adicional é a redução das emissões de gases como o dióxido de carbono, responsável pelo aquecimento global e pelas mudanças climáticas. Não há dúvida de que a China, hoje o maior país emissor mundial de dióxido de carbono, vai reduzir suas emissões nos próximos anos.
Essa é uma nova realidade. Desde o início do governo de Mao Tsé-tung, em 1948, a política seguida na China era a da industrialização a qualquer custo, sem considerar os impactos ambientais.
Já os Estados Unidos, onde poluição urbana já vem sendo controlada há anos, têm revelado preocupações crescentes com o aquecimento global, uma das prioridades do presidente Barack Obama, apesar de o Senado americano não ter aprovado sua proposta de limitar as emissões de carbono.
Sucede que, com o apoio de decisões da Suprema Corte, a agência ambiental americana (equivalente à Cetesb, em São Paulo) tem poderes de limitar o uso de carvão ou exigir que seja usado com maior eficiência. Além disso, o uso crescente de gás de xisto, que substitui o carvão e o petróleo, contribui para a redução das emissões.
Portanto, no panorama mundial, os dois grandes países, que desde 1992 se opuseram a adotar medidas sérias para reduzir emissões, mudaram suas políticas nessa área. Com isso, os argumentos utilizados pelos diplomatas de vários países em desenvolvimento há mais de 20 anos – os do Brasil incluídos -, e que sempre apoiaram a posição da China, estão perdendo sua validade, se é que já a tiveram em alguma ocasião.
Esses argumentos eram basicamente os seguintes:
Os responsáveis pelo aquecimento global são os países ricos, que já estão emitindo há mais de cem anos. Os países em desenvolvimento precisam desenvolver-se e, portanto, têm o direito de emitir. Juridicamente, esse argumento é questionável, porque até a adoção da Convenção do Clima, em 1992, emissões de carbono não eram consideradas perigosas. Punição retroativa aos grandes emissores do passado é difícil de aceitar.
As emissões por habitante são muito maiores nos países ricos do que nos países em desenvolvimento. Na realidade, as emissões da China por habitante são hoje tão elevadas como as da Alemanha e as emissões acumuladas dos países em desenvolvimento já representam quase metade de todas as emissões. Além disso, para se desenvolver eles podem usar tecnologias modernas que não poluam como no passado, baseando seu crescimento econômico em tecnologias “limpas”.
Na prática, com as novas políticas dos Estados Unidos e da China estamo-nos encaminhando para um acordo tácito com vista à redução das emissões. Uma consequência óbvia é que esses dois grandes países provavelmente começarão a tomar medidas para impedir que os poluidores nos países em desenvolvimento ponham por terra os seus esforços, aumentando as suas emissões.
Uma dessas medidas poderia ser a aplicação de uma taxa sobre carbono “embutido” nos produtos que importam. Por exemplo, uma boneca produzida na Índia exige para sua produção determinado consumo de energia elétrica que é produzida com carvão. Já a mesma boneca produzida no Brasil terá um conteúdo menor de carbono, porque a eletricidade é produzida em usinas hidrelétricas. Os países em desenvolvimento que exportam para os Estados Unidos terão uma vantagem competitiva se sua energia for produzida por fontes renováveis.
Com isso as negociações sobre mudanças climáticas passam a um novo nível, que não é o adotado até agora, em que estão envolvidos os 194 países-membros da Organização das Nações Unidas, os quais precisam adotar acordos por consenso. Quando isso foi feito no passado, na Conferência do Clima em 1992, no Rio de Janeiro, ou na Rio+20, em 2012, as decisões tomadas foram vagas e não comprometeram realmente os governos signatários a cumpri-las.
A Conferência do Rio de 1992 ainda teve resultados positivos, por causa da adoção da Agenda 21, que conscientizou toda uma geração de governantes e motivou muitos municípios e Estados a se reorientarem na direção de um desenvolvimento sustentável. A Rio+20 ficou apenas na retórica.
Agora, com as ações concretas da China e dos Estados Unidos, temos uma nova oportunidade, que o Brasil não deve perder.

Fonte: O Estado de S.Paulo