quinta-feira, 24 de abril de 2014

Gasodutos: planejamento em discussão

Com 9.244 quilômetros de extensão, a malha de gasodutos brasileira ainda é menor que a de países como a Argentina, que tem cerca de 15.013 km e Austrália, com 20 mil km. Desde 1999, o país experimentou uma expansão de 310% no tamanho, quando ainda eram 2.317 quilômetros. Lançado no fim do mês de março, na esteira da lei do gás, o Plano Decenal de Expansão da Malha de Transporte Dutoviário 2013-2022 é uma espécie de planejamento para o setor de gás natural do país. Elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética, é feito um estudo do mercado de gás, abordando os potenciais, as demandas e ofertas para o insumo. Daí é traçado um trajeto para os gasodutos possíveis e verificada a viabilidade econômica do duto. Em caso afirmativo, ele está apto a ser licitado.
Dos 9.244 km,  8.582 km deles estão na malha integrada. A Transpetro opera 6.334 km da malha, que corresponde a malha integrada do Sudeste e Nordeste da Petrobras, além do Gasene e do gasoduto Urucu-Coari-Manaus, no Amazonas; a Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil, opera o Gasbol, com 2.593 km. Já a Transportadora GasOcidente é a operadora do gasoduto lateral Cuiabá, com 267 km e a Transportadora Sulbrasileira de Gás, opera no Rio Grande do Sul o gasoduto Uruguaiana – Porto Alegre, outros 50 km.
Essa edição do Pemat indicou um gasoduto elegível, o Itaboraí-Guapimirim, com 11 quilômetros de distância. Localizado na região do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro da Petrobras, que vai permitir escoar cerca de 17 milhões de metros cúbicos por dia de gás natural vindo do pré-sal. O gasoduto vai permitir levar o gás da unidade de produção de gás natural do Comperj até o Gasduc, integrando-o a malha de transporte. A demanda termelétrica estimada pela empresa até 2020 estará em 48 milhões m³/d. O gasoduto é fruto de solicitação da própria Petrobras, que agiu como agente provocador. Ele vai ter diâmetro nominal de 24 polegadas e pressão de projeto de 100 kgf/cm². Como a extensão do gasoduto é curta, não foi planejada a instalação de válvulas de bloqueio, já que eles serão realizados na origem e no destino. O material usado será o aço API 5L X70.

Na metodologia do plano, o gás destinado a termelétricas também é considerado, porém apenas é contabilizado o que já está no PDE 2022, ou seja, o que já está em operação, projetos vencedores de leilões ou indicativos nesse período. A EPE estima que a demanda termelétrica potencial em 2022 seja de 52,5 milhões de metros cúbicos por dia. A sistemática do Pemat é similar a do Plano de de Expansão da Transmissão do setor elétrico, em que a EPE faz o estudo, encaminha-o para o MME e em caso de aprovação, envia para a Agência Nacional de Energia Elétrica para um leilão. No caso do gasoduto, a licitação é feita pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.
De acordo com o presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, apesar do plano indicar apenas um gasoduto e com tamanho reduzido, o volume de escoamento de gás desse duto será expressivo. “O Gasbol escoa 30 milhões de metros cúbicos, ele é mais de meio Gasbol”. Mas essa indicação de apenas um gasoduto para construção é considerada tímida por setores do mercado, ficando aquém da expectativa. Para Augusto Salomon, presidente-executivo da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado, o plano deveria ser o anexo de um planejamento energético que contribuísse para o desenvolvimento do mercado de gás natural no Brasil. “A proposta que apresentamos durante a consulta pública foi da criação de um Plano Decenal para o gás natural que inclui o Pemat como parte de um planejamento maior”, explica.
A expansão da malha de gás está diretamente relacionada a expansão do setor elétrico no país. Elas são consideradas como um fator de viabilização de dutos. Quando uma térmica a gás é leiloada, ela deve estar conectada a rede. Segundo Ricardo Pinto, coordenador da área de energia térmica da Associação Brasileira dos Grande Consumidores de Energia e coordenador técnico do programa Mais Gás Brasil, deveria haver uma sincronia entre o planejamento da expansão térmica com o da malha. “Uma térmica vai ter um grande consumo. Poderia haver um planejamento para definir a térmica em determinadas localidades, aonde possa ter ganhos energéticos em paralelo”, comenta. Ele elogia o trabalho feito pela EPE ao elaborar o plano.
Marcos Tavares, presidente da Gas Energy, também se coloca a favor de um plano que se apresente como instrumento para a expansão da malha de gasodutos . “Poderiam fazer projetos estruturantes de térmicas assim como foi feito com a fonte hídrica. Poderia indicar térmicas de maneira que viabilizassem gasodutos, atendendo tanto o setor elétrico quanto o de gás”, sugere. Cético quanto a eficiência do plano, Tavares acredita que o Pemat ficou com retrato similar ao do Plano Decenal de Expansão, aonde na opinião dele, não é possível mostrar uma visão estratégica para investidores. “Imaginar que o Brasil precisa nos próximos cinco anos fazer só 11 quilômetros de dutos é de uma completa falta de realidade do mercado. Na verdade o mercado estava esperando uma coisa e eles entregaram outra completamente diferente”, avisa.
“A proposta que apresentamos durante a consulta pública foi da criação de um Plano Decenal para o gás natural que inclui o Pemat como parte de um planejamento maior”, Augusto Salomon, da Abegás.
Outro fator que pode alterar o retrato atual da expansão de gasodutos é o resultado da licitação de gás promovida pela ANP em 2013, que não foi analisada pelo plano. A descoberta de gás não convencional traria uma interiorização do insumo e conseguiria atender às distribuidoras que não possuem o suprimento. Para Ricardo Pinto, da Abrace, existe uma grande demanda reprimida de gás no país e que no futuro as grandes indústrias poderão assim expandir o seu consumo. “É preciso que o mercado seja estimulado para atrair novos investidores para construção de dutos e de novos trechos”, sugere.
Salomon, da Abegás, considera o fato do Pemat apresentar apenas um gasoduto não ser um bom sinal para o mercado, não contribuindo na atração de novos investidores. Ele torce para o sucesso das jazidas em bacias terrestres. ”Torcemos não só pelo shale gas, mas por todo o potencial onshore, que vai ajudar a interiorização do gás”, comenta. A Petrobras, principal empresa do setor no país, acredita que o gás não convencional vai impactar na expansão da malha de gasodutos no Brasil. A empresa afirmou em nota à Agência CanalEnergia que por conta das localizações desses potenciais, na maioria no interior do país, será necessária uma implantação de infraestrutura de gasodutos para escoamento do energético.
A pujança da empresa também é alvo de questionamentos. Os agentes reconhecem que ela é a responsável pela estruturação do setor de gás no país, mas indicam que a expansão do sistema fica atrelada as decisões da empresa, e não do mercado. “Na medida que que ela controla gasodutos, distribuidoras, ela acaba criando barreiras de entrada que são seríssimas para outros agentes econômicos poderem competir”, revela. Ele conta que países que quiseram criar um mercado de gás quebraram a hegemonia do agente dominante. “Para isso serviria o Pemat, para trazer agentes novos ao mercado”, diz Tavares.
Térmicas poderiam viabilziar gasodutos – Marcos Tavares, da Gas Energy
A sinalização que vem sendo feita pelo MME de ter térmicas a gás mais próximas aos poços em um primeiro momento poderia impactar na expansão da malha. A iniciativa, embora vista como uma forma de monetizar o gás, não é vista como a melhor e mais atrativa para os agentes. Para Augusto Salomon, da Abegás, essa saída valeria apenas para campos distantes de centros produtores, sem condições de estruturar a demanda. Já Ricardo Pinto, da Abrace, lembra que essa opção não é a que agrega mais valor ao negócio, frisando que com apenas um uso, haverá um desperdício desse gás, que também poderia ser usado pelo consumidor industrial e incrementar a infraestrutura.
A experiência que serve de modelo para o governo – a da Eneva no Maranhão – também é alvo de questionamentos. Para Marcos Tavares, da Gas Energy, dificilmente esse modelo será reproduzido, já que ele compreendeu uma situação específica. Segundo ele, eram usinas de diferentes leilões que tinham bons contratos à época e que após o certame algumas delas ainda foram transferidas para a bacia do Parnaíba. “O conceito de que todo produtor onshore vai ter a mesma facilidade é um conceito errado. Não necessariamente qualquer lugar vai ser adequado para fazer a geração na boca do poço, é muito simplista”, ressalta.
A oferta de gás natural é vista por Tolmasquim como o principal desafio para a expansão dos gasodutos. Essa restrição fez com que projetos para a região Sul fossem desqualificados. Não haveria condições de despachar completamente para as térmicas Araucária e Canoas. Ainda segundo o presidente da EPE, hoje há uma grande demanda por gás natural de várias regiões do país, vinda não só do setor elétrico. “A questão hoje não é o gasoduto, mas a molécula. O principal desafio é descobrir gás a preços competitivos ou que se chegue gás importado a preços que se justifiquem”, afirma.
Pemat deve vir mais provocativo   Ricardo Pinto, da Abrace e do Mais Gás Brasil
O presidente da EPE alega que só é possível recomendar a construção de um gasoduto após a descoberta do insumo. Esse critério deixou o projeto da bacia de São Francisco, em Minas Gerais, como não elegível a proposição no Pemat 2022. Ainda é necessário que se confirme a oferta de gás natural na região para que o gasoduto João Pinheiro – Betim seja viabilizado. “Primeiro tem que encontrar o gás, enquanto não descobrir não pode ser indicado para a licitação”, diz Tolmasquim.  O empreendimento teria mais de 300 quilômetros e se conectaria ao GasBel, em Betim. Ainda assim, como ele se encaixou nos critérios de avaliação de oferta, demanda e preço máximo competitivo, foi inserido no plano. O valor global de referência do gasoduto seria de R$ 2,56 bilhões. Há duas alternativas para a sua construção: uma passa a jusante do reservatório da UHE Três Marias (MG – 396 MW) e a outra, a montante do reservatório da usina.
“Primeiro tem que encontrar o gás, enquanto não descobrir não pode ser indicado para a licitação”, Maurício Tolmasquim, da EPE, sobre o que insere  um gasoduto no Pemat 
Outro projeto classificado como não elegível no Pemat foi o gasoduto Santo Antônio dos Lopes (MA) – Barcarena (BA), que está fora da malha integrada. Esse duto, com 697 quilômetros de extensão, atenderia a demanda do complexo industrial de Barcarena, mas também é necessário que se confirme a existência de mais insumo na região, uma vez que a maior parte do que já está comprovado está comprometida com o complexo termelétrico da Eneva no Maranhão. O gasoduto teria um investimento de R$ 2,79 bilhões.Há um entendimento que no curto prazo a expectativa é de pouca expansão para a malha. Como já salientado, há a necessidade de bastante oferta para que mais gasodutos sejam construídos. A rodada de licitação de blocos realizada em 2013 e que mostrou players do setor elétrico como Copel e GDF Suez com disposição para prospectar gás pode trazer mais oferta e ampliar os gasodutos.
Salomon quer uma atuação do governo federal para o desenvolvimento da infraestrutura. Ele considera como desafio desenvolver mecanismos que viabilizem a estruturação da nova oferta de gás no país. “Entendemos que é importante o desenvolvimento de infraestrutura, a exemplo do que foi feito com portos, aeroportos, estradas e ferrovias. Os novos investidores não possuem um portfolio como o da Petrobras, portanto é necessária a participação do governo federal no setor”, salienta.
Os critérios que excluíram alguns gasodutos e deixaram apenas um elegível também são alvos de críticas. Ricardo Pinto espera que para as próximos edições, o plano seja menos restritivo e que a metodologia usada não seja tão rigorosa. “Na medida em que  haja a provocação de terceiros, que esses projetos sejam levados ao mercado e que ele dê a resposta se o gasoduto é viável ou não”, aponta.

Fonte: Agência CanalEnergia

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